Metamorfoses de Feminino
Aline Serzedello Vilaça

Numa tentativa de dialogar sobre o complexo

Parto do simples

Do corriqueiro

Entre sonhos, desejos, objetivos,

utopias, metas, vitórias,

erros, acertos, derrotas, e mais sonhos,

mais desejos,

Parto de fases que todas nós enfrentamos

Ou enfrentaremos,

Falo de algumas das múltiplas etapas

Para desabrocharmos,
Nos encontrarmos, para sobreviver e Viver o feminino

Em não apenas ser mulher

Mas ser o feminino, não apenas enquanto ser e existir

Porém, enquanto poder, crer e tornar-se...

Feminino, enfim tornar-se Mulher!!!

“Não se nasce mulher, TORNA-SE”

Simone de Beauvior

Minhas mãos já não têm a mesma maciez, algumas rugas rodeiam meus olhos, meus seios deixaram de ser altivos, minhas pernas não mais agüentam percorrer o mundo, meus cabelos já estão esbranquiçando, minhas dicas já são conselhos e meus sonhos, ah grandes sonhos, já são outros.

Não quero mais ser mochileira, não quero mudar para uma ilha deserta, não quero escalar o Evereste, já não consigo farriar até as 6 da manhã, deixei de fazer sexo há tempos, meus prazeres são outros. Me delicio com um bom livro, viajo com uma boa música e morro de prazer fazendo bolo de cenoura para meus netos.

Já não me apavoro com as tristezas do mundo. Não como trangênicos, carne vermelha, gordura saturada, no máximo um vinhozinho antes do jantar. Já queimei sutiãs. Já fui parte dos “cara-pintadas”, já saí de casa na quinta e só voltei na quarta-feira de cinzas. Já fui rebelde sem causa e com causa. Já pulei corda, comi bolo de chocolate e viajei de carona.

Hoje sinto ondas de calor e a cada 28 dias já não vejo mais o mar vermelho. Já velei minha mãe e meu pai e já fiz ninar os filhos da minha prole.

Já trabalhei fora e dentro em troca de dinheiro e em sinal do meu amor. Fui operária de fora, fui operária do lar. Fui jovem esposa, adolescente e criança. Hoje me tornei mulher, me tornei senhora do meu destino e anciã da família.

Olho para espelho e me assusto com os sinais, mas me delicio ao perceber e relembrar a mulher que fui a cada etapa de minha vida e que hoje sou. Olho no espelho e posso enxergar a alma que construí, o respeito que impus a mim mesma e a mulher que sempre ansiei ser e hoje me tornei.

Meus quinze anos...


ABORRECÊNCIAS

Fui dormir com uma dor ridícula na barriga uns quatro dedos abaixo do umbigo, hoje acordei toda nojentamente suja de sangue.
Definitivamente o mundo está contra mim.
Como se não bastasse provas, colégio, não ter idade para ir às baladas, ter sempre esses meninos chatos e infantis no meu pé, meus avôs terem invocado com essa história de valsa de 15 anos, ainda ser BV (boca virgem), ter que começar a usar sutiã, ser nova demais para ir ao shopping sozinha e estar na idade de ser responsável para um mundo de outras coisas. Como se não bastasse tudo isso, esses adultos têm a coragem de dizer que sou aborrescente enquanto são eles que me aborrecem.

Às vezes pareço viver em preto e branco. Acordo e vou para aquela escola insuportável. Depois almoço e corro para a natação, espero meu irmão no judô e depois finjo ser delicada naquele ballet que minha mãe insiste em dizer que foi feito para mim.

Sou apaixonada por um menino muito mais velho que eu. Ele já está no terceiro ano do ensino médio, mas nem olha para mim. Não vejo a hora de crescer, usar salto, passar maquiagem, sair à noite sozinha, dormir tarde, dirigir meu próprio carro e não morar mais com a peste do meu irmão. Viu como não é fácil ser pré-adolescente?”. Sobrevivi a adolescência, a “primeira vez”, aos complexos, a moda, as turminhas, aos professores, ao vestibular e um pouco depois, mais madura, eu descobri que sexo era legal, mas existe algo mais...

PRAZER DESVENDADO

Tocava meu seio com a delicadeza de quem manuseia orquídeas, outr´ora com a força sustentada de quem protege nas mãos ouro que não se perde. Irrompeu-me com seu sexo num movimento que nunca antes tinha bailado, senti uma dor interessante que fazia meu corpo pedir mais. Corpo este presente e entregue como nunca. Envolto por seus quentes braços de paixão, que me embalavam e protegiam, fui ao céu e voltei. Meus poros abertos junto aos seus numa sincronia de um só transpirar, faziam de nossos corpos um.

Em um só pulsar sintonizado batiam acelerados nossos corações, tua boca que um dia fora tão desejada, com “gosto de fruta mordida” agora acariciava meus lábios, num ritmo ora constante, calmo como quando saboreia-se a felicidade, ora desesperado feito criança que não se encontra.

Meus olhos levemente fechados pouco enxergavam, descansavam ao som de nossa respiração, ofegante e descompassada. Mas quando se abriam só viam o tesão que envolvia nossa pele. Sentia seu corpo pesar sobre o meu e seria capaz de ficar ali para todo o sempre.

Minhas mãos deslizavam em seu rosto, mapeando seu sorriso sutil que incondicionalmente você me entregava no balanço desse nosso fazer.

Neste desespero de pernas, bocas, mãos, beijos, abraços, cheiro de pecado e gosto de paraíso, me senti “desejada como o ar”. O desejei como a chuva no sertão. Tornei-me mulher que se entrega de corpo e alma a outro corpo, na utópica certeza de que chegará a alma e na esperança de ser capaz de conquistar também o coração. Tornei-me a mulher que sonha vir a se tornar a mulher da vida dele.

Encontrei a entrega e o complemento nas relações sexuais, mas ainda não havia encontrado o grande amor da minha vida, mas resolvi que já estava pronta para amar de uma forma completa e diferente. Resolvi que já era tão senhora de mim que poderia ser mãe de alguém, resolvi que estruturada financeiramente e feliz profissionalmente era a hora de aprender o que é ser mãe...

ARRANHAR DO PARAÍSO

Pulsa em meu ventre num ritmo distintamente semelhante ao meu, um amor verdadeiro inerente ao meu ser e bem maior que o meu existir, que vem mudando minha vida, minha rotina, meu cheiro, que fez do meu coração manteiga, que fez dos meus seios fonte de vida, que fez do meu sorriso rotina.

Enquanto o alimento, minh’alma é saciada com sua pequenina presença gigante em mim. O carrego feito diamante e o espero como presente Natal.

Já imagino suas mãozinhas, seu chorinho ingênuo, sua gargalhada à vontade, seu depender de mim, infinitamente menor que o meu de ti.
Pulsa em meu ventre o fruto do melhor sexo e da paixão maior. Pulsa em meu ventre num ritmo distintamente semelhante ao meu pulsar, o coração mais esperado, o ser que carrega o amor mais profundo e verdadeiro que a mulher que me torno poderia sentir.

Entre fraldas, choros na madrugada, 24 horas de plantão, preocupação constante e amor incondicional, estou certa que me padecendo nestas horas, estou no paraíso: sou sua mãe.

Triste é saber que és livre para voar e nascerá para ser cidadão do mundo. Fantástico é saber que o amarei para todo sempre.

Agora que meus filhos já cresceram e volto meu olhar para o passado percebo que não padeci no paraíso, eu aproveitei o paraíso de ser mãe, e aproveitei e aproveito cada segundo desse carinho incondicional. Depois desta experiência fantástica, fui apresentada a um outro tipo de amor, o amor pelo príncipe encantado que já acreditava não mais existir, me deparei com o amor confiança, com o amor companheirismo, com o amor entrega, com o amor amizade, com o amor troca, dedicação, com o amor amante, me deparei com o homem da minha vida.

Hoje ele envelhece ao meu lado, dorme e acorda comigo, sei seus detalhes, manias, sei como ele completará a frase, e sinto o mesmo olhar encantado com que ele me esperava no altar à 50 anos todos os dias...

AQUELA QUE DESPOJA

“Parecia o caminho mais longo.

Árduo?

Não!

Difícil?

Sim!

A sensação era de entrar naquela montanha russa mais esperada do parque, porém de olhos vendados. Minhas pernas tremiam, mas me direcionavam com objetividade. Meu estômago afundava, despencava velozmente feito elevador. As lágrimas rolavam naturalmente, mas havia certeza naquele brilho úmido que reluzia de meus olhos. Meus lábios delicadamente maquiados apresentavam uma tensão que exigia um beijo daquele que me esperava no altar.

É, eu estava casando.

Entrando para mais uma etapa que eu tanto sonhava e tanto temia. Estava deixando de ser filha, de ser namorada, de ser só, de ser apenas eu e meus filhos, deixando de fazer e acontecer apenas para mim. Estávamos prestes a ser um casal, a dar uma figura masculina aos meus filhos (que responsabilidade!). Prestes a ser ele em mim, e ser eu nele. Estava prestes a assumir a responsabilidade de prometer fazê-lo feliz para toda eternidade. Estava confiando plenamente meu coração aos cuidados dele.

Munida de véu, grinalda, paixão, esperança, amor, confiança, expectativas e empunhando um belo buque de lírios da paz, entrei certa de que me tornava a mulher esposa que por mais que prezasse sua individualidade me tornava a mulher com coragem de dedicar uma parte de minha força, energia ao homem que realmente amava.

Estes foram alguns dos detalhes das etapas do meu desabrochar, foram um pouco do como me tornei mulher a cada fase de minha vida. Foram palavras sinceras que espero que confortem as “Macabéias” dando lhes esperança de um dia se assumirem mulher. E espero que estimulem aquelas que já trilham este caminho, peço continuem, não a nada melhor do que ter certeza do que se é, e do se pode tornar a ser.

Hoje sou uma senhora casada, mas fui uma menina, uma adolescente rebelde, uma jovem estudiosa, mãe solteira, e uma noiva apaixonada. Não sei se fiz tudo certo, mas não me arrependo do que fiz, e nem do que deveria ter feito. Acredito que fica uma certeza, me tornei MULHER a cada minuto bem vivido de minha vida!