Sociedade Big Brother

 

 

Antonio Gasparetto Júnior

Graduando em História(UFJF)

 

 

O novo milênio começou tomado pelos famigerados reality shows. Por todos os lados apareceram suas variações, em programas como Casa dos Artistas, No Limite, Big Brother Brasil, Solitários, A Fazenda, E24 e muito mais. Não é por menos que a história da humanidade está sendo classificada por alguns como um novo momento, a História Pós-Contemporânea. O nome está longe de ser dos melhores, mas nela assistimos a tudo ao vivo, inclusive o que causou essa suposta ruptura de periodização na história, o atentado terrorista de 2001.

 Mas existe um limiar entre a evolução da comunicação e suas tecnologias, que são de grande utilidade, e a banalização do cotidiano. A sociedade aparenta se modelar ao modo dos reality shows, já que as pessoas acreditam friamente que suas vidas devem ser expostas para conhecidos e desconhecidos no mundo virtual. O que em tempos de tanta violência pode ser um grande engano. Surgiram na internet vários aplicativos que intensificaram a exposição da vida pessoal, como é o caso do Orkut (e seus semelhantes), Twitter e, mais recentemente, o Formspring.

Os reality shows são claramente a expressão da derrocada dos valores humanos. Neles se assiste a tudo e, ao mesmo tempo, nada de importante. Os pobres participantes de tais programas são levados a uma disputa por algum prêmio em dinheiro, mas talvez nunca tenham parado para refletir o quão desumana são as situações pelas quais passam. Os "jogadores" passam fome, são isolados em pequenos quartos, sofrem com desnecessários desafios, tem seus sofrimentos explicitados em rede nacional e tantas outras condições que os reduzem a animais. Em um dos pioneiros da TV brasileira, No Limite fazia com que seus jogadores corressem risco de vida em troco de audiência. O Big Brother Brasil coloca pessoas para viverem em um curral, levando-as a conflitos e ao interesse do público pela vida alheia e esvaída de conteúdo. Solitários pode causar graves problemas psicológicos em seus participantes. E24 apresenta o que todo mundo quer evitar, acidentes e mortes, e faz disso atrativos inúteis e, ainda por cima, audiência. Em resumo, a vida humana, de pessoas desconhecidas, está aberta para avançarmos pelo limite do respeito e da ética para que possamos dar nossas “espiadas”.

O problema se agrava na medida em que os telespectadores passaram a acreditar e fazer de suas vidas um grande Big Brother Brasil. O reflexo disso está no mundo virtual, o qual permite que todos sejam os invejados “jogadores”. O Orkut é o menor dos males, por mais que se trate de perfis dos cadastrados, os detalhes não são em tempo real e seu sistema não é desenvolvido de forma que permita uma exposição dessa forma. Mesmo assim há o famoso Fake que permite recolher informações alheias sem ser conhecido, se passar por alguém ou qualquer outra falsidade que o marca. É preciso cuidado. O Twitter permitiu essa reviravolta que faltava, informações ao máximo da vida de uma pessoa em apenas 140 caracteres. Aqueles que levam uma vida de “jogadores” de Big Brother comentam coisas do tipo: “Vou escovar os dentes”, “estou indo ao banco”, “acabei de acordar”... Por que esse tipo de informação é dada e a quem isso interessa? Tal fato ocorre porque passou-se a acreditar que nossas vidas devem ser expostas como em reality shows, sem levar em conta como isso é perigoso e, mais ainda, banal!

Recentemente surgiu o ápice da vulgarização do indivíduo, o Formspring. Na nova febre, pessoas fazem perguntas, sem se identificarem, para os donos de perfis que vasculham a vida pessoal sem o menor pudor. Para piorar, as perguntas são respondidas pelos questionados com muita satisfação. Inacreditavelmente já me deparei com convocações: “Você acha que sabe tudo da minha vida? Então me pergunte no Formspring!”. Não há espaço para mais idiotice!

É lamentável e alarmante o que Pedro Bial fez no Brasil, entre tantas "espiadas" as pessoas passaram a cobiçar a posição de espiado e acreditam ser uma forte emoção abrir suas vidas, com os detalhes mais corriqueiros e idiotas, importantes e perigosos, para quem quiser ver. Por que um programa tão inútil e desprovido de valores como Big Brother Brasil faz sucesso há 10 anos na TV brasileira? Porque, em primeiro lugar, nossa população é pouco culta e esclarecida e permite que esse tipo de coisa aconteça; em segundo lugar, porque existem as mídias virtuais que transportaram os telespectadores para as posições de espiados, e como em todo fenômeno de apreciação, aquele que idolatra tem o sonho de ser idolatrado tal qual seu objeto o é.

Não quero que só se entenda aqui que esses recursos virtuais são completamente desprezíveis, usados de boa forma todos podem ter suas utilidades. O Orkut permite que amigos de longa data se reencontrem, que se discuta sobre determinados assuntos em suas comunidades, que se faça propaganda e pode ser um ótimo recurso de divulgação e comunicação em si. O Twitter tem sua utilidade na divulgação de notícias e informações relevantes, permite que o proprietário de uma conta se conecte as mais variadas fontes de informação e receba notícias delas simultaneamente. O Formspring é um ótimo recurso para empresas que recebem e-mail com dúvidas de seus clientes, para evitar respostas semelhantes, que ocorrem naturalmente, as dúvidas e os esclarecimentos podem ficar todos expostos no perfil, sendo que os clientes com questionamentos já ocorridos não precisam refazê-los, basta consultar a lista do que já foi respondido.

Já enfrentamos tanta degradação moral e social em tantas circunstâncias, agora temos a tecnologia favorecendo ao avanço desse campo! Antes que a ilusão da tecnologia nos consuma é preciso que consumamos a tecnologia da melhor maneira.