Arquiteta e Professora Maria Marta
S. Camisassa*
Arquiteto Ricardo dos Santos Teixeira**
Algumas respostas podem ser dadas:
Viçosa estaria escondida nas águas poluídas do São Bartolomeu ou vice-versa?
O Ribeirão, certamente, está sendo escondido por trás dos inúmeros edifícios
que vão surgindo na paisagem. Nem mesmo seus habitantes [nativos ou
nativados] se lembram que existia um córrego ali atrás dos prédios,
por baixo do posto de gasolina, ou do Shopping da Moda, por baixo do
Shopping Chequer... As fotos da antiga Viçosa foram emolduradas para
ficar na parede daqueles mais saudosistas. Nem mesmo o tempo gasto nos
engarrafamentos nos horários de pico permite que sua população veja
o que ainda resta da antiga cidade. O que vem acontecendo é que aquela
Viçosa vai deixando de ser a Viçosa que tinha uma escala ainda humana
e torna-se a cada dia mais insalubre. Salubridade não diz respeito apenas
a um sistema de esgoto que serve a todas as suas unidades. Mas diz respeito
também ao ar fresco – diga-se, aquele bem cheiroso – que deve entrar
por todas as janelas, aos raios de sol que poderiam inundar os interiores
de todos os espaços construídos, a uma arborização ao longo das ruas,
em vias de desaparecer nos raros pontos onde ainda se encontrava uma
sombra para parar e conversar com os amigos ou estacionar o carro enquanto
se faz uma compra ou vai ao self-service predileto. Diz respeito à existência
de jardins, públicos e privados, e quintais arborizados, onde ipês e
árvores frutíferas poderiam encher as vistas e ainda decorar as mesas
antes de serem saboreados.
No século XIX, quando ainda não se
tinha uma ciência que resolvesse as epidemias que atemorizavam as autoridades,
o processo de urbanização incontido, até então desconhecido e quase
impossível de ser planejado, atormentava planejadores e moradores que
buscavam uma vida mais confortável! Conforto, ar puro, verde, tudo era
buscado para uma melhoria do espaço urbano.
E agora? O que vemos em Viçosa? Neste
início de século XXI, uma retomada das condições típicas do século XIX!!!
A demanda por novas habitações, por novos serviços, por mais metros
quadrados construídos na cidade, faz com que o que estava ali naquela
esquina ou naquele quarteirão, desapareça para ser substituído por novos
edifícios. Será que o novo é mesmo de melhor qualidade? A voz popular
diz sem dó nem piedade (nem daqueles que construíram e moraram naquela
edificação): “aquele prédio não tem valor nenhum...”. Pergunta-se: que
valor? Qual valor? De uso? De composição urbana? Financeiro? Afinal,
também como diz o leigo, “coitado/a, eu conheço ele/a [o/a proprietário/a]!
Não tem outro recurso senão aquele imóvel! Se não vender [por tantos
milhões de reais] não sairá nunca daquela situação!” Não mesmo? Há aí
uma defesa de que fulano vai ficar rico como outros que estão fazendo
a mesma coisa na cidade, só por ser “um coitado”? Esse mesmo ‘coitado’
que ajudou a construir a cidade agora quer prejudicá-la? Este des-envolvimento
está sendo desfavorável à qualidade urbana coletiva, pois a cidade vai
minguando na sombra de magrelos edifícios que se repetem sem nenhuma
criatividade e sem nenhuma preocupação com o amanhã.
Uma outra resposta à pergunta inicial
seria: a antiga cidade foi substituída por “apertamentos” com péssima
acústica, sem privacidade, sem iluminação e ventilação adequada... A
distância entre os novos prédios vai ficando apenas como as juntas de
dilatação do concreto, que um centímetro ou pouco mais é suficiente
para disfarçar ou resolver um problema físico do material. Mas, e os
moradores? Bastaria a eles apenas uma “junta” para deixá-los afastados
dos vizinhos, para receber ar fresco, sol e ter uma paisagem que não
seja a visão direta das janelas do vizinho? Por parte da iniciativa
privada, encontra-se grande dificuldade em apreender que o interesse
público está acima do particular e, quanto mais, que o direito de propriedade
não é equivalente ao direito de construir.
Como sempre, a iniciativa privada tende
a resolver seus problemas particulares. No caso, o seu “caixa”. Em tempos
de neo-liberalismo, mais se torna visível essa dinâmica. Desde a Revolução
Francesa, nos idos mil e setecentos e tantos, se procurava estabelecer
a Declaração Universal de Direitos Humanos, finalmente aclamada pela
ONU em 1948, como parâmetro para medir a liberdade e a igualdade de
todos. No Brasil, o Estatuto da Cidade (Lei Federal no. 10.257/2001),
que tem o mesmo peso do Estatuto da Criança, do Idoso, do Desarmamento
e tantos outros, é documento de referência nacional que deixa muito
claro o seu objetivo:
“[...] estabelecer normas
de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade
urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos,
bem como do equilíbrio ambiental. [...]
Infelizmente, ainda se tem que lembrar
alguns [desavisados] de que a legislação federal é válida em todo o
território nacional, inclusive em Viçosa. Infelizmente também, ainda
se tem que lembrá-las que as leis estaduais e municipais não podem ser
contrárias à legislação federal. Neste sentido, com que direito, então,
alguém decide que seu imóvel vale mais na sua conta bancária que na
paisagem urbana? Com que direito alguém defende a conta bancária alheia
se o pomo de discórdia é um bem que diz respeito ao bem estar coletivo?
Será que não havia nenhum charme nestas edificações?
Pense em seu vizinho: se ele constrói
na divisa de sua propriedade um prédio de dois, três, quatro, dez andares,
você será prejudicado? De que lado, você recebe a luz do sol? De que
lado vêm os ventos? Qual a paisagem que você tinha e que perderá com
a nova construção? Quem sabe até uma visada daquela árvore do vizinho
que te fazia lembrar que era primavera ou tempo de manga? Será mesmo
que os novos edifícios têm uma qualidade melhor do que teriam os mais
antigos se fossem recuperados e reabilitados para novos usos? Assim,
não se defende apenas o grandioso, o que provocou alarido, aquela história
escrita pelos “grandes”, mesmo por que se não fossem os menores, os
mais humildes, nem a parede estaria de pé. A cidade foi construída por
todos eles, grandes, pequenos, médios, etc.
Mais do que isso: o que contar para
as crianças de hoje como era a cidade, ontem? Será que a paisagem urbana
deve ser como os anúncios comerciais na tela da televisão que mudam
a cada minuto?